terça-feira, 3 de agosto de 2010

Sonhos

Os Sonhos: Significados

Por Dom Estêvão Bettencourt

Em síntese: Os sonhos são: 1) a expressão do inconsciente, que se manifesta livremente enquanto o consciente se desliga; a psicanálise estuda o significado dos sonhos, nem sempre chegando a interpretação unânime. Os sonhos também são: 2) o veículo pelo qual Deus se quis revelar aos Patriarcas e santos personagens da Bíblia; ver Mt 1,20. 2,13. 19... Em terceiro lugar 3) os sonhos são canais de premonição e precognição , como atestam e comprovam casos famosos registrados pela história. A sabedoria manda que as pessoas se acautelem contra demasiada valorização dos sonhos; podem não ter a importância que lhes querem atribuir.
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Os sonhos deixam muitas pessoas inquietas. Parecem portadores de mensagem que deve ser interpretada e acatada. Reina, porém, certa confusão no setor, que pede esclarecimentos. É o que vamos propor nas páginas subseqüentes.

Podem-se atribuir aos sonhos três funções ou significados:

1.O sonho na Psicanálise

O sonho, segundo a psicanálise, é a expressão do inconsciente, de modo que Por ele se pode descobrir o que vai no íntimo da pessoa. Esta explicação é válida, pois, enquanto o consciente se desliga pelo sono, o inconsciente continua em atividade, que prorrompe livremente através das imagens e do enredo do sonho. A dificuldade, porém, consiste em interpretar autenticamente o simbolismo dessas imagens. Os analistas não concordam entre si, de maneira que dão á mesma figura diversos significados. Daí certa insegurança na interpretação dos sonhos.

2.O sonho na Bíblia

Segundo a Escritura Sagrada, o sonho pode ser um canal de comunicação de Deus aos homens. Assim, entre outros, os sonhos de José do Egito (Gn 37, 5-11; 40; 5-22; 41,1-36), os sonhos de S. José no novo testamento (Mt 1,20;2,13.19) e outros (cf. Gn 20,3s; 28,12; 31,11s;24; Jz 7,13s; 1Sm 28,6s; Jó 33,15...).

Os povos pagãos estimavam grandemente os sonhos como mensageiros da Divindade; pensavam que principalmente os reis eram agraciados por tais comunicações do alto. Já que as imagens vistas em sonhos eram não raro ambíguas, havia intérpretes oficiais das mesmas, que usavam de técnica complexa, aparentemente científica. Param quem não pudesse consultar os adivinhos, existiam catálogos de elucidação. O papiro Chester Beatty lll apresenta alguns critérios de interpretação, tais como estavam em uso no Egito. O documento data da 19ª. Dinastia (cerca de 1300 a.C); refere, porém, idéias contemporâneas à 12ª. Dinastia (1200-1800). Eis o que se depreende do mesmo:

Em muitos casos a interpretação do sonho se fazia simplesmente por analogia: um sonho feliz era bom agouro, ao passo que mau sonho presagiava desgraça. Pão branco em sonho era bom sinal; anunciava prazeres. Sonhar com homens de autoridade e poder também implicava bem-estar para o futuro. Sonhos obscenos valiam como péssimos prenúncios.

Havia, porém, critérios mais complicados, a fim de que a interpretação dos sonhos não ficasse ao alcance de qualquer indivíduo. Assim os trocadilhos ou jogos de palavras eram muito explorados: comer carne de asno, em sonho, significava engrandecimento, elevação, pois os conceitos de “asno”e “grande” eram homônimos. Receber uma harpa implicava desgraça, pois o nome “harpa”, boiné, fazia pensar em Bin, mau.

O homem que tivesse tido um sonho inquietador não devia desesperar, pois havia meios para deter os infortúnios previstos... Recomendava-se-lhe que invocasse a deusa Ísis, a qual saberia como defender o devoto dos males que Sete, filho de Nout, estava para desencadear. Também se usava a seguinte receita: umedecer em cerveja alguns pães com ervas verdes; à mistura acrescentava-se incenso, e com o conjunto resultante se esfregavam o rosto de quem havia sonhado. Este proceder afugentaria todos os maus agouros transmitidos pelos sonhos.

No século ll d.C Artemidoro de Éfeso, baseado em suas experiências, escreveu cinco livros intitulados Oneirokritiká, código importante para os decifradores de sonhos.

É claro que a crença no valor profético dos sonhos estava frequentemente ligada a supertição, preconceitos humanos, e não raro levava a graves erros na vida prática (à semelhança do que ainda nos tempos atuais acontece).

Voltando a Israel, verificamos que lá havia o perigo de que concepções pagãs relativas aos sonhos se mesclassem com as noções monoteístas e religiosamente puras dos israelitas, daí as restrições à interpretação dos sonhos nos textos bíblicos. Com efeito, conforme as Escrituras, não há intérpretes profissionais dos sonhos, como os havia entre os babilônios (c.f Dn 2,2; 4,3; 5,15) e os egípcios (c.f Gn 41,8). A explicação dos sonhos se deve a um dom esporádico de Deus; compete a quem, como o Patriarca José e o Profeta Daniel, possui o “espírito de Deus” (c.f Gn 40,8; Dn 2,27). Os intérpretes populares de sonhos são condenados pela lei de Moisés junto com os magos, os adivinhos, os necromantes...(c.f Lv 19,26; Dt 13, 2-4; 18,10s). Nos tempos da decadência religiosa(séc Vll e Vl) pulavam os falsos profetas, que diziam ter recebido em sonho autênticas comunicações do Senhor; ora o Senhor não cessava de acautelar os seus fiéis contra tais ilusões:

“Ouço os que dizem esses profetas, que em meu nome proferem falsos oráculos afirmando:’tive um sonho, tive um sonho!’...Esses profetas julgam que poderão fazer esquecer o meu nome ao meu povo mediante os sonhos que contam uns aos outros?”( Jr 23,25-27).

Também os sábios de Israel, propondo aos jovens discípulos conselhos para a vida, admoestavam-nos contra as imaginações noturnas:

“O insensato se entrega a esperanças vãs e enganosas, e os dão asas aos tolos. Semelhante àquele que procura apresentar uma sombra ou perseguir o vento, é quem se prende aos sonhos... Do que é impuro, que pode sair de puro? Da mentira, que pode sair de verítico? A adivinhação, os agouros e os sonhos são coisas vãs, semelhantes às imaginações do coração de uma mulher que está para dar à luz” (Eclo 34,1-5).

3.O Sonho na Parapsicologia

Os sonhos são também veículos de precognição ou premonição. Esta não é uma profecia em sentido teológico da palavra, pois profecia é um dom ou carisma de Deus concedido a pessoas especialmente escolhidas para determinada missão; ao contrário; a precognição é um fenômeno natural, decorre das faculdades mesmas da psyché humana. A história conhece famosos sonhos premonitórios, dos quais sejam relatados os seguintes:

a) Numa noite do ano de 1895, o conde José Vicente despertou de seu sono em seu solar da Alameda Barão de Limeira (São Paulo), e disse a esposa que a Condessa de Moreira Lima, sua parenta, acabava de morrer no Rio de Janeiro. E, como o enterro estivesse marcado para Lorena, cidade onde residia a Condessa, o Conde José Vicente seguiu para lá no primeiro trem da Estrada de Ferro Central do Brasil. Ao chegar, perguntou simplesmente ao cocheiro do carro que o levava a que hora sairia o enterro. O cocheiro deu a informação exata. Por conseguinte, não havia dúvida de que a Condessa de Moreira Lima falecera e a precognição fora verídica.

b) J. A. Saymonds, escritor inglês, viu em sonhos uma corrida, em que um cavalo chamado Anton ganhava por quatro corpos. Assombrado, viu no dia seguinte que, em verdade, existia um cavalo com tal nome e que correria nesse dia. Na opinião dos entendidos, o cavalo nenhuma possibilidade tinha de vencer, mas o fato é que venceu...

c) Caso bem comprovado é o do Presidente dos Estados Unidos Abraham Lincoln. Aos 23 de março de 1865, Lincoln convidou alguns para um jantar na Casa Branca. Como no dia anterior, o Presidente dava a impressão de estar muito sério e calado, como se andasse profundamente preocupado. Os convidados o notaram, mas, por delicadeza, não ousaram indagar de causa. De repente Lincoln, quebrando o silêncio, prorrompeu nestas palavras: “Sonhei coisa horrível, o que não deixa sossego, estou sempre a pensar nisso!” E com voz baixa, por vezes embargada, contou aos amigos: “Há dois fui para a cama bem tarde da noite, e meio-morto de cansaço; adormeci logo. Durante a noite sonhei que ao meu redor reinava um silêncio de túmulo e que se ouviam apenas os soluços de muitas pessoas a chorar. Impressionado, levantei-me, desci a escadaria que, dá para a sala de reuniões da Casa Branca. Também lá ouvi soluços e choros, mas não consegui ver ninguém. Apavorado, atravessei diversas salas até chegar a um recinto, cuja janela dava para leste. Soldados montavam guarda de honra ao redor de um sarcófago. Aproximei-me e verifiquei que estava aberto e rodeado de pessoas que choravam inconsolavelmente. Perguntei: ‘Quem morreu na Casa Branca?’ Alguém respondeu: ‘O presidente foi assassinado!’ Após estas palavras, acordei todo banhado em suor.’

Os amigos quiseram consolar o Presidente, mas ele continuou sempre preocupado. Chegou o dia 14 de abril. Naquela noite Lincoln, acompanhado de sua esposa, foi ao teatro Ford. O lugar de honra do Presidente achava-se guardado por um policial secreto. Apagaram-se as luzes e o espetáculo começou. De repente um tiro ecoa pela sala. Gritos de pavores e consternação reboam pelo auditório. Todos os olhares convergem para o camarote do Presidente, que caiu mortalmente ferido por uma bala. O assassino, fanático opositor político do Presidente, procurou fugir, mas logo foi preso...

No dia seguinte também se cumpriu à risca tudo o que Lincoln tinha visto em sonho três semanas antes: no salão situado a Leste da Casa Branca jazia o cadáver do Presidente morto, em câmara ardente, dentro de um sarcófago aberto, rodeado por uma multidão em prantos.

Eis um sonho precognitivo, extraordinariamente rico em indicações concretas, que, segundo os estudiosos, parece excluir qualquer dúvida de autenticidade.

Estes dados são suficientes para se admitir que a precognição se manifesta através de sonhos. Todavia vale a pena lembrar aqui as admoestações dos sábios que pedem cautela na interpretação e valorização dos sonhos em geral; pode ai haver enganos de graves conseqüências. As pessoas que tem sonhos premonitórios, podem sentir angústia e tensão nervosa; faz-se oportuno lembrar-lhes o que está dito às pp. 247s deste fascículo com relação a precognição em geral: vivam o mais normalmente possível, sem pensar muito na possibilidade de um sonho premonitório.



Fonte: http://sociedadeapostolado.blogspot.com/2008/06/sonhos.html

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Jihad e cruzada: Guerras santas assimétricas

Jihad e cruzada: Guerras santas assimétricas

Permalink: http://www.zenit.org/article-15335?l=portuguese

Entrevista com Marco Meschini, historiador medievalista


MILÃO, quarta-feira, 13 de junho de 2007 (ZENIT.org).- Não se pode confundir «jihad» com cruzada. São guerras «santas», mas não são a mesma coisa. Quem explica isso é o historiador Marco Meschini, em seu novo livro em italiano, publicado após o famoso discurso de Bento XVI em Ratisbona, «A jihad e a cruzada» («Il yihad e la crociata», Ed. Ares).

Marco Meschini é historiador medievalista e professor da Universidade Católica do Sagrado Coração de Milão. Nesta entrevista concedida a Zenit, esclarece conceitos fundamentais para compreender a diferença entre «jihad» e «cruzada»: enquanto a «jihad» é essencial para o Islã, a cruzada não o é para o cristianismo.

--Em que sentido a «jihad» e a cruzada são «guerras santas»?

--Meschini: Por «guerra santa» entendemos uma guerra com dois elementos característicos: para quem adere a ela, é uma guerra dirigida por Deus por seus legítimos representantes; em segundo lugar, participar dela abre as portas do Paraíso.

No caso da «jihad» se deve recordar uma passagem do alcorão fundamental: «Combatei contra aqueles que, tendo recebido a Escritura, não crêem em Alá nem no último Dia, nem proíbem o que Alá e Seu Enviado proibiram, nem praticam a religião verdadeira, até que, humilhados, paguem o tributo diretamente!» (9, 29). É Alá quem quer a «jihad», Alá é santo, portanto a «jihad» é santa, uma guerra santa.

Pelo que se refere ao segundo aspecto -- a entrada no Paraíso --, é preciso recordar um «hadit» (um pensamento de Maomé com valor normativo): «Sabei que o Paraíso está à sombra das espadas».

Também, o «mujahid», o «combatente da jihad», em caso de morte é considerado um «mártir», «shahid», «testemunha», o mesmo sentido literal da palavra grega «martyr», «mártir». É considerado tão santo que seu corpo não deve ser lavado antes da cremação, como prescreveria a lei islâmica, e pode inclusive transpassar parte da própria santidade aos parentes.

--Você, contudo, considera que «cruzada» e «jihad» são «assimétricas». O que as distingue?

--Meschini: Também a cruzada -- para os cristãos da Idade Média -- era querida por Deus, no sentido de que os Papas a pregaram, ligando-a à remissão das penas e os pecados cometidos pelos participantes. E o grito de batalha dos cruzados era: «Deus o quer!».

Uma primeira assimetria é justamente esta: a «jihad» abre diretamente as portas do Paraíso, a cruzada não, porque se entende como parte do processo que pode conduzir ao homem pecador ao Paraíso.

Mas há, contudo, outras assimetrias maiores.

Sobretudo, a «jihad» é tanto defensiva como agressiva, ou seja, instrumento de difusão da religião islâmica que -- recordemos -- significa «submissão» a Alá.

A cruzada, ao contrário, nasceu só depois de mais de um milênio de cristianismo e com um objetivo limitado: recuperar Jerusalém e a Terra Santa, injustamente ocupadas pelos muçulmanos.

Mas é preciso acrescentar que, no curso de uma história plurissecular, houve também cruzadas de expansão, ainda que sem que a idéia original se perdesse completamente.

--Você também considera que a «jihad» é co-essencial ao Islã, e afirma que a «cruzada» não é para o cristianismo.

--Meschini É a assimetria mais radical. Como disse, a guerra santa é uma prescrição corânica -- e o Alcorão é a Palavra de Alá, eterna e imutável -- praticada por Maomé e dotada de toda uma série de regras acessórias.

Ainda hoje, para todos os islâmicos, a «jihad» é o «sexto pilar» do Islã, ou seja, um dos preceitos que constituem a identidade de sua religião.

Vice-versa, não existe nenhum texto sagrado cristão que fale de uma guerra semelhante, nem o modelo, que é Cristo, a prevê, ao contrário! Por isso, a cruzada, certamente surgida em um contexto cristão, não precisa se repetir em outros contextos cristãos; nem tem a ver com o «kerigma», «o núcleo» da revelação cristã.

--Falar de «jihad» e cruzadas hoje não implica o risco de tornar mais difícil o diálogo entre cristianismo e islã?

--Meschini: Qual é o objetivo do diálogo? Eu penso que é conhecer-se melhor e, se é possível, chegar a um nível superior de verdade. Portanto, a verdade, ou ao menos a honestidade intelectual, é uma premissa, ou melhor, uma condição irrenunciável do diálogo.

Por isso, eu quis desmascarar alguns comentaristas que, após contorções verbais, tentam camuflar a verdade histórica, jurídica e teológica ligada ao tema da «jihad».

--O que queria dizer o Papa em Ratisbona quando falou do discurso de Manuel II Paleólogo sobre estes temas?

--Meschini: Bento XVI foi muito claro: a fé e a verdade podem ser propostas e difundidas só de intelecto a intelecto e de coração a coração, em um mútuo intercâmbio de razão e credo.

E, portanto, expandir a própria religião «com a espada» é uma monstruosidade antitética ao «Logos», à Razão, ou seja, a Deus. E a violenta reação de tantos às suas palavras foi -- dramaticamente -- uma involuntária, mas «perfeita» resposta de confirmação a seu discurso.