A Inquisição
D. Estevão Bettencourt, osb
A Inquisição não foi criada de uma só vez, nem procedeu do mesmo modo no decorrer dos séculos. Por isto distinguem´se:
1) A lnquisição Medieval, voltada contra as heresias cátara e valdense nos séculos XII/XIII e contra falsos misticismos nos séculos XIV/XV;
2) A lnquisição Espanhola, instituída em 1478 por iniciativa dos reis Fernando e Isabel; visando principalmente aos judeus e muçulmanos, tornou´se poderoso instrumento do absolutismo dos monarcas espanhóis até o século XIX, a ponto de quase não poder ser considerada instituição eclesiástica (não raro a lnquisição Espanhola procedeu independentemente de Roma, resistindo à intervenção da Santa Sé, porque o rei de Espanha a esta se opunha);
3) A lnquisição Romana (também dita “o Santo Ofício”), instituída em 1542 pelo Papa Paulo III, em vista do surto do protestantismo. Apesar das modalidades próprias, a Inquisição medieval e a romana foram movidas por princípios e mentalidade características. Passamos a examinar essa mentalidade e os procedimentos de tal instituição, principalmente como nos são transmitidos por documentos medievais.
Antecedentes da Inquisição
Contra os hereges a Igreja antiga aplicava penas espirituais, principalmente a excomunhão; não pensava em usar a força bruta. Quando, porém, o lmperador romano se tornou cristão, a situação dos hereges mudou. Sendo o Cristianismo religião de Estado, os Césares quiseram continuar a exercer para com este os direitos dos lmperadores romanos (Pontífices maximi) em relação à religião pagã; quando arianos, perseguiam os católicos; quando católicos, perseguiam os hereges. A heresia era tida como um crime civil, e todo atentado contra a religião oficial como atentado contra a sociedade; não se deveria ser mais clemente para com um crime cometido contra a Majestade Divina do que para com os crimes de lesa´majestade humana. As penas aplicadas, do século IV em diante, eram geralmente a proibição de fazer testamento, a confiscação dos bens, o exílio. A pena de morte foi infligida pelo poder civil aos maniqueus e aos donatistas; aliás, já Diocleciano em 300 parece ter decretado a pena de morte pelo fogo para os maniqueus, que eram contrários à matéria e aos bens materiais. Agostinho, de início, rejeitava qualquer pena temporal para os hereges. Vendo, porém, os danos causados pelos donatistas (circumcelliones), propugnava os açoites e o exílio, não a tortura nem a pena de morte. Já que o Estado pune o adultério, argumentava, deve punir também a heresia, pois não é pecado mais leve a alma não conservar fidelidade (fides, fé) a Deus do que a mulher trair o marido (epist. 185, n21, a Bonifácio). Afirmava, porém, que os infiéis não devem ser obrigados a abraçar a fé, mas os hereges devem ser punidos e obrigados ao menos a ouvir a verdade. As sentenças dos Padres da lgreja sobre a pena de morte dos hereges variavam. São João Crisóstomo (†407), bispo de Constantinopla, baseando´se na parábola do joio e do trigo, considerava a execução de um herege como culpa gravíssima; não excluia, porém, medidas repressivas. A execução de Prisciliano, prescrita por Máximo lmperador em Tréviris (385), foi geralmente condenada pelos porta´vozes da lgreja, principalmente por S.Martinho e S. Ambrósio. Das penas infligidas pelo Estado aos hereges não constava a prisão; esta parece ter tido origem nos mosteiros, donde foi transferida para a vida civil. Os reis merovíngios e carolíngios castigavam crimes eclesiásticos com penas civis assim como aplicavam penas eclesiásticas a crimes civis. Chegamos assim ao fim do primeiro milênio. A Inquisição teria origem pouco depois.
A Teologia da Inquisição Segundo Tomás de Aquino
A ética, em Santo Tomás, observava que a declaração de guerra deveria partir do príncipe e se for para o bem comum, pois a ele cabe a responsabilidade da preservação, na defesa. A razão deve ser justa, para restabelecimento da ordem com objetivo a paz, contendo assim as ações daqueles que são maus.
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guerras. Enquanto, porém, "houver perigo de guerra, sem que
exista uma autoridade internacional competente e dotada de
forças suficientes, e esgotados todos os meios de negociação
pacífica, não se poderá negar aos governos o direito de legítima
defesa.”
Teologia e Guerra
Agostinho: “Se a moral cristã julgasse que a guerra é
sempre culpável, quando no Evangelho soldados pedem um
conselho para a sua salvação, dever-se-ia responder-lhes que
jogassem fora as armas e abandonassem completamente o
exército. Ora, se lhes diz: “Não molesteis a ninguém, contentaivos
com vosso soldo.” Prescrever-lhes que se contentem com o
seu soldo não os proíbe combater.”
-Tomás de Aquino. Suma Teológica. II-II, 40, 1, SC.
“O desejo de prejudicar, a
crueldade na vingança, a violência e a inflexibilidade do espírito,
a selvageria no combate, a paixão de dominar e outras coisas
semelhantes, são estas as coisas que nas guerras são julgadas
culpáveis pelo direito.”
-Tomás de Aquino. Op. Cit. II-II, 40, 1
“É preciso agir fortemente,
mesmo com aqueles que resistem, a fim de dobrá-los por uma
certa dureza benevolente. Aquele que é privado do poder de fazer
o mal sofre uma proveitosa derrota. De fato, nada mais infeliz do
que o feliz sucesso dos pecadores, pois a impunidade, é
alimentada, e sua má vontade, como um inimigo interior, é
fortificada.”
-Idem. Op. Cit. II-II, 40, 1, ad 2.
Foram numerosos os cânones dos concílios que, excomungando os hereges e proibindo os cristãos de lhes darem asilo, não admitiam que se utilizassem contra eles a pena de morte. Deviam bastar as penas espirituais ou, quando muito, as penas temporais moderadas. (Daniel-Rops, História da Igreja de Cristo, vol. III, A Igreja das Catedrais e das “Cruzadas”, Quadrante, pp. 605-606).
Papa Alexandre III: “Mais vale absolver culpados do que, por excessiva severidade, atacar a vida de inocentes… A mansidão mais convém aos homens da Igreja do que a dureza”.
"A Santa Inquisição confessa que os processos são longos para serem instruídos regularmente; ela censura os juizes pelas vexações, encarceramentos injustos, torturas. Muitos têm-se mostrado demasiado cruéis encarcerando pela mínima suspeita e têm aplicado a tortura apesar do malefício não ter sido provado".
( Hansen, Zauberwahn..., op. cit., pp. 24s.)
Sobre a tolerancia, encontramos referências dos ensinamentos em Suma Teológica de Santo Tomás:
Os infiéis, os não-batizados, deve-se tolerar, não só a sua existência (S. Th., II-II, q.10, a.8), bem como os seus ritos (S. Th., II-II, q.10, a.11)