São Jorge: modelo do guerreiro cristão
Patrono da Cavalaria e dos guerreiros cristãos, o destemido mártir tornou-se um dos santos mais populares da História da Igreja
Luís Carlos Azevedo
Luís Carlos Azevedo
A forma popular pela qual é representado São Jorge, isto é, matando um dragão, como na gravura ao lado, não encontra fundamento real em sua vida. Os gregos começaram a representá-lo assim, de maneira alegórica. O dragão simboliza a idolatria que ele enfrentou com a s armas da Fé, e a donzela que o Santo defende representa a província da qual ele extirpou as heresias.
A ata laudatória dos feitos dos mártires (Passio), que narra a vida de São Jorge, é bem antiga e contém elementos legendários. Segundo sua primeira redação, Jorge era originário da Capadócia (região da atual Turquia), tendo vivido durante o século III na Palestina, onde era tribuno militar.
Na referida Passio consta uma narração da vida do Santo, atribuída a um certo Pasicrate, seu contemporâneo e testemunha ocular de seus feitos.
Conduzido diante do Imperador romano Diocleciano, foi instado a queimar incenso aos ídolos. Tendo-se recusado energicamente a isso, foi torturado e recolhido a um cárcere. Foi constrangido nessa prisão a passar a noite com uma pesada pedra sobre o ventre. Foi favorecido ali com uma visão, em que Deus lhe anunciou uma longa série de torturas, que durariam sete anos. No decurso desse período, seria morto e ressuscitaria três vezes.
Jorge sofreu terríveis martírios, dos quais saiu ileso. Por fim, foi decapitado.
Em torno desse núcleo de fatos relatados na Passio originária, constituiu-se uma rica legenda, na qual figuram declarações e atitudes do glorioso mártir em face de seus perseguidores. Passamos a relatar algumas dessas tradições, pois elas revelam como a devoção dos fiéis, através dos séculos, foi modelando a figura magnífica de um dos santos mais populares da hagiografia, tanto da Igreja do Oriente quanto do Ocidente.
São Jorge, cuja festa litúrgica comemora-se a 23 de abril, era ainda criança quando perdeu seu pai, oficial do exército imperial, morto em combate. Sua mãe levou-o então para a Palestina, de onde era originária, e onde possuía muitos bens, educando-o com todo o esmero requerido pela sua condição.
Ao atingir a adolescência, Jorge entrou para a carreira das armas, por ser a que mais satisfazia à sua natural índole combativa. Em pouco tempo sua personalidade, sua coragem, seu porte, foram notados pelo Imperador Diocleciano (284-305), que o nomeou mestre de campo.
Ignorando ser aquele bravo um cristão, o Imperador romano pensava elevá-lo rapidamente aos primeiros cargos do exército, atraído pelas suas qualidades invulgares.
Testemunho público da Fé católica
Diocleciano era, entretanto, pagão e inimigo ferrenho dos cristãos, e de há muito pretendia extinguir o número crescente deles em seu Império. Com esse intuito convocou o Senado em Nicomédia, fazendo com que dele também participassem representantes seus do Oriente e alguns oficiais de seu exército, figurando entre estes São Jorge.
O corajoso oficial sentiu que a hora tanto desejada de dar testemunho público de sua Fé e derramar o sangue por Nosso Senhor Jesus Cristo chegara. Preparou-se para ela, com orações e penitências, como um soldado que se arma para o combate mais decisivo de sua vida. Herdeiro de rico patrimônio pela morte de sua mãe, vendeu tudo o que tinha, distribuindo o dinheiro obtido como esmolas, e também entre seus escravos, aos quais concedeu liberdade.
Assim despojado de tudo, dirigiu-se para a arena do combate: a sala onde estava reunida a assembléia senatorial.
Diocleciano apresentou durante a reunião seu plano ímpio e cruel de extermínio dos cristãos, sendo aplaudido por todos. No meio dos aplausos, uma voz levanta-se, jovem, vigorosa, resoluta, pedindo a palavra. Surpresos e admirados, todos voltaram-se para o ilustre oficial, que com desembaraço e galhardia dirigiu-se à tribuna, de onde exclamou ardorosamente:
-- "Imperador, e vós, senadores, até quando voltareis vosso cego furor contra os cristãos? Habituados a elaborar as leis que dirigem os povos, dareis um tal exemplo de injustiça, fazendo-as tão iníquas contra inocentes? Forçá-los-eis a seguir uma religião da qual vós mesmos duvidais?"
Estas palavras contundentes deixaram atônita a assembléia. O Imperador, mais espantado e contrafeito do que os outros, ordenou ao Cônsul Magnêncio que respondesse ao Santo:
-- "Quem te deu tal ousadia -- disse Magnêncio -- para te dirigires assim ao nosso Imperador, augusto defensor dos deuses do Império?"
-- "A verdade", respondeu o Santo.
-- "O que é a verdade?"
-- "É Jesus Cristo, meu Senhor, a quem perseguis".
-- "Então és cristão?"
-- "Eu o sou, e é apoiado em Nosso Senhor Jesus Cristo que não temo entrar em vosso meio para dar testemunho da verdade".
A estas palavras -- à semelhança do que ocorrera séculos antes no Sinédrio, quando Nosso Senhor afirmou sua divindade -- um tumulto estabeleceu-se no recinto do Senado, onde muitos, em altos brados, exigiam a morte do Santo.
Coragem e fortaleza nos suplícios
Diocleciano, reconhecendo no intrépido militar a mesma têmpera na qual depositara tantas esperanças e cumulara de favores, tinha também conhecimento de que o Santo era estimado, de maneira especial no exército, devido ao grande valor que demonstrara com tão pouca idade. Em vista disso, temeu que seu exemplo arrastasse outros a segui-lo. Dissimulando então sua ira, tentou convencer São Jorge com promessas e ameaças, para que sacrificasse aos deuses.
O Santo não se deixou seduzir pelas palavras do Imperador. Pelo contrário, incitou-o a abandonar seus ídolos e a cultuar o Deus verdadeiro. Jorge acrescentou ainda que os deuses do Imperador eram demônios habitando matéria vil, os quais ele não temia.
Enfurecido, Diocleciano ordenou que conduzissem o jovem oficial para a prisão e o torturassem até que mudasse de opinião. Durante toda a noite o Santo foi torturado com requintes de crueldade.
No dia seguinte, o Imperador mandou que o levassem à sua presença. Vendo-o tão desfigurado e tão débil, procurou convencê-lo a sacrificar aos ídolos. Tomado de indignação, São Jorge exclamou:
-- "Imperador, não sou tão tíbio que, em virtude de uns tormentos infantis, repudie ao Senhor da vida e da morte".
-- "Eu saberei encontrar suplícios de crianças que te arranquem a vida", redargüiu Diocleciano, dando ordens para que o herói cristão voltasse à prisão.
Na manhã seguinte, mandou atar o resoluto combatente em uma roda toda coberta de pontas de aço, com correias tão apertadas que penetravam na carne.
Essa roda foi suspensa ao ar, e debaixo dela foram colocadas pranchas eriçadas de ferros pontiagudos. A cada volta que a roda dava, o corpo do Santo ia sendo dilacerado ao passar pelas pranchas, pois os ferros penetravam em sua carne, arrancando-lhe pedaços.
"Não temas, Jorge, estou contigo"
Quando Jorge não deu mais sinais de vida, o Imperador, satisfeito, mandou que o deixassem caído ao solo, no meio do próprio sangue, e que fossem todos render graças aos deuses por essa vitória.
Mal Diocleciano se afastou, formou-se no céu, sobre o corpo do mártir, uma enorme e brilhante nuvem, que desprendia raios e ribombos terríveis. A maioria dos que permaneceram no local do suplício ouviu sair de dentro da nuvem uma voz que dizia: "Não temas, Jorge, estou contigo". No mesmo instante o Santo levantou-se, completamente são. Os soldados, surpresos e assustados, correram para o templo, a fim de comunicar ao Imperador o sucedido. São Jorge foi então levado à sua presença.
O ímpio Diocleciano não quis acreditar no que via: "Não é Jorge -- disse ele -- é alguém que se lhe parece, ou um fantasma".
Entre os presentes estavam dois membros do Conselho Imperial, Anatólio e Protoleão, que já tinham certa noção da doutrina cristã. Ao verem o milagre, não se contiveram, exclamando: "O Deus dos cristãos é o único e verdadeiro Deus". O Imperador mandou que os prendessem imediatamente e que, sem o menor julgamento, fossem degolados fora da cidade. A festa destes dois mártires comemora-se juntamente com a de São Jorge. Muitas outras conversões ocorreram diante da evidência do milagre.
Terror dos demônios
Ao ver tantas conversões, Diocleciano, em desespero de causa, quis a todo custo que São Jorge sacrificasse aos deuses. Redobrou as promessas, suplicou, ameaçou. O Santo pediu então ao Imperador que lhe mostrasse os ídolos que ele tanto prezava. Satisfeito, Diocleciano conduziu o Santo para o interior do templo, diante de uma estátua de Apolo. Logo ao aproximar-se dela, Jorge interpelou-a com voz enérgica:
-- "Diga-me: és Deus?"
-- "Não", respondeu a estátua com voz horrível.
-- "Espíritos malignos, anjos rebeldes, condenados pelo verdadeiro Deus ao fogo eterno, como tendes o atrevimento de estar em minha presença, sendo eu servo de Jesus Cristo?"
E dizendo isso, fez o sinal da Cruz. No mesmo instante as estátuas caíram de seus pedestais, espatifando-se no chão, entre os gritos dos sacerdotes e da multidão que lotava o templo, tomados de pânico. Os sacerdotes, então, excitaram o povo à sedição, suplicando ao Imperador que os livrasse, o quanto antes, daquele terrível mago. Diocleciano mandou que levassem Jorge para fora da cidade e o degolassem imediatamente.
De acordo com a Passio, porém, antes de ser executado, o corajoso oficial foi submetido a uma série de tormentos, durante anos. Duas vezes ainda seria morto, retornando à vida. Finalmente, foi degolado.
Celeste cruzado
A devoção a São Jorge como o patrono da Cavalaria, durante a Idade Média, foi propagada pelos cruzados, por ter São Jorge aparecido inúmeras vezes ao lado dos soldados da Cruz, durante as batalhas.
Estando os cruzados a caminho de Jerusalém, e passando por Lydda (antiga Dióspolis -- onde o Santo foi sepultado), durante a primeira cruzada empreendida em 1096, lá deixaram um Bispo e padres para rezarem, no altar do Santo mártir, segundo a intenção de que eles conquistassem a Cidade Santa. E, por ocasião do cerco desta, estando a batalha praticamente perdida para os cristãos, São Jorge apareceu a cavalo no Monte das Oliveiras. A visão celeste agitava um escudo e fazia um sinal, incitando os cristãos a entrarem na cidade, o que os levou à vitória.
A Inglaterra foi o país ocidental onde, na Idade Média, a devoção ao Santo teve papel mais saliente. O monarca Eduardo III colocou sob a proteção de São Jorge a Ordem de Cavalaria da Jarreteira, fundada por ele em 1330.
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Fontes de referência:
1. Abbé Profilet, Les Saints Militaires, Rétaux-Bray, Paris, 1890.
2. D. Guéranger, El Año Liturgico, Ediciones Aldecoa, Burgos, 1956.
3. J. F. Michaud, História das Cruzadas, Editora das Américas, São Paulo, 1956.
4. Enciclopedia Cattolica, Città del Vaticano, Vol.VI, 1951.
[ http://www.catolicismo.com.br/materia/materia.cfm?idmat=0C8566C0-3048-560B-1C5B192FD05D44FA&mes=Abril1996 ]
Quando Jorge não deu mais sinais de vida, o Imperador, satisfeito, mandou que o deixassem caído ao solo, no meio do próprio sangue, e que fossem todos render graças aos deuses por essa vitória.
Mal Diocleciano se afastou, formou-se no céu, sobre o corpo do mártir, uma enorme e brilhante nuvem, que desprendia raios e ribombos terríveis. A maioria dos que permaneceram no local do suplício ouviu sair de dentro da nuvem uma voz que dizia: "Não temas, Jorge, estou contigo". No mesmo instante o Santo levantou-se, completamente são. Os soldados, surpresos e assustados, correram para o templo, a fim de comunicar ao Imperador o sucedido. São Jorge foi então levado à sua presença.
O ímpio Diocleciano não quis acreditar no que via: "Não é Jorge -- disse ele -- é alguém que se lhe parece, ou um fantasma".
Entre os presentes estavam dois membros do Conselho Imperial, Anatólio e Protoleão, que já tinham certa noção da doutrina cristã. Ao verem o milagre, não se contiveram, exclamando: "O Deus dos cristãos é o único e verdadeiro Deus". O Imperador mandou que os prendessem imediatamente e que, sem o menor julgamento, fossem degolados fora da cidade. A festa destes dois mártires comemora-se juntamente com a de São Jorge. Muitas outras conversões ocorreram diante da evidência do milagre.
Terror dos demônios
Ao ver tantas conversões, Diocleciano, em desespero de causa, quis a todo custo que São Jorge sacrificasse aos deuses. Redobrou as promessas, suplicou, ameaçou. O Santo pediu então ao Imperador que lhe mostrasse os ídolos que ele tanto prezava. Satisfeito, Diocleciano conduziu o Santo para o interior do templo, diante de uma estátua de Apolo. Logo ao aproximar-se dela, Jorge interpelou-a com voz enérgica:
-- "Diga-me: és Deus?"
-- "Não", respondeu a estátua com voz horrível.
-- "Espíritos malignos, anjos rebeldes, condenados pelo verdadeiro Deus ao fogo eterno, como tendes o atrevimento de estar em minha presença, sendo eu servo de Jesus Cristo?"
E dizendo isso, fez o sinal da Cruz. No mesmo instante as estátuas caíram de seus pedestais, espatifando-se no chão, entre os gritos dos sacerdotes e da multidão que lotava o templo, tomados de pânico. Os sacerdotes, então, excitaram o povo à sedição, suplicando ao Imperador que os livrasse, o quanto antes, daquele terrível mago. Diocleciano mandou que levassem Jorge para fora da cidade e o degolassem imediatamente.
De acordo com a Passio, porém, antes de ser executado, o corajoso oficial foi submetido a uma série de tormentos, durante anos. Duas vezes ainda seria morto, retornando à vida. Finalmente, foi degolado.
Celeste cruzado
A devoção a São Jorge como o patrono da Cavalaria, durante a Idade Média, foi propagada pelos cruzados, por ter São Jorge aparecido inúmeras vezes ao lado dos soldados da Cruz, durante as batalhas.
Estando os cruzados a caminho de Jerusalém, e passando por Lydda (antiga Dióspolis -- onde o Santo foi sepultado), durante a primeira cruzada empreendida em 1096, lá deixaram um Bispo e padres para rezarem, no altar do Santo mártir, segundo a intenção de que eles conquistassem a Cidade Santa. E, por ocasião do cerco desta, estando a batalha praticamente perdida para os cristãos, São Jorge apareceu a cavalo no Monte das Oliveiras. A visão celeste agitava um escudo e fazia um sinal, incitando os cristãos a entrarem na cidade, o que os levou à vitória.
A Inglaterra foi o país ocidental onde, na Idade Média, a devoção ao Santo teve papel mais saliente. O monarca Eduardo III colocou sob a proteção de São Jorge a Ordem de Cavalaria da Jarreteira, fundada por ele em 1330.
Fontes de referência:
1. Abbé Profilet, Les Saints Militaires, Rétaux-Bray, Paris, 1890.
2. D. Guéranger, El Año Liturgico, Ediciones Aldecoa, Burgos, 1956.
3. J. F. Michaud, História das Cruzadas, Editora das Américas, São Paulo, 1956.
4. Enciclopedia Cattolica, Città del Vaticano, Vol.VI, 1951.
[ http://www.catolicismo.com.br/materia/ma