Em síntese: A Ordem dos Cavaleiros Templários foi fundada em 1118 a fim de proteger os cristãos peregrinos na Terra Santa. Desempenharam papel heróico na defesa dos redutos cristãos na Palestina, o que lhes valeu a estima dos nobres e do povo, os quais lhes fizeram muitas doações. Quando em 1291 os cristãos ocidentais deixaram a Terra Santa, onde haviam constituído o Reino Latino de Jerusalém, os templários perderam sua razão de ser e se estabeleceram no Ocidente como ricos proprietários e financistas, o que suscitou a cobiça de quem queria apoderar-se de seus bens. Foram acusados de graves faltas. Apesar dos protestos de Jacques DeMolay, Grão-Mestre da Ordem, foram condenados e a Ordem extinta em 1312 pelo Papa Clemente V.
Existem em nossos dias algumas "Ordens do Templo" que pretendem relacionar-se com a Ordem dos Templários medievais, mas nada têm a ver com estes, pois professam filosofia esotérica ou não cristã.
As páginas subseqüentes abordarão a Ordem medieval dos Templários, à qual alude a Ordem DeMolay (ver artigo seguinte).
1. O pano de fundo
1.1. Ordens Militares
A sociedade da Idade Média estava toda impregnada do espírito e da realidade dos cavaleiros. Efetivamente, a espiritualidade germânica, franca, celta, goda legou à civilização medieval o ideal do cavaleiro. Este aspirava a servir a Deus na bravura destemida, magnânima, e até mesmo na guerra (caso julgasse que a honra de Deus exigia a intervenção da espada). A espiritualidade do cavaleiro retratada nas canções e trovas da Idade Média era apta a suscitar façanhas heróicas em nome da fé.
Mais: deve-se lembrar que na Idade Média também os monges desenvolveram papel importante, professando, porém, uma espiritualidade assaz diversa da do cavaleiro. Enquanto o cavaleiro procurava intensificar suas atividades no mundo, aspirando assim a unir-se a Deus e chegar à vida eterna, o monge se separava do mundo secular para penetrar diretamente em Deus e na contemplação. Enquanto o cavaleiro aplicava os instrumentos da sua profissão, isto é, as armas, para servir ao seu Senhor, o monge, professando pobreza e silêncio, recusava o recurso a tais expedientes.
Ora os medievais haviam de conseguir fazer a síntese desses dois tipos de ideal cristão - o do cavaleiro e o do monge, criando no século XII as chamadas "Ordens Militares". Nestas o cavaleiro se consagrava a Deus para O servir com destemor e galhardia num quadro de pobreza, castidade e obediência.
Referindo-se aos Templários, dizia S. Bernardo (+1153):
"Não sei se os devo chamar monges ou cavaleiros; talvez seja necessário dar-lhes um e outro nome, pois eles unem à brandura do monge a coragem do cavaleiro" (De laude novae militiae (IV 8)).
1.2. O reino de Jerusalém
As Cruzadas tiveram como objetivo libertar o S. Sepulcro de Cristo, que estava em poder dos muçulmanos.
Na primeira Cruzada, após dois anos e meio de lutas e sofrimentos atrozes, os cruzados, tendo vencido o exército de Solimão em Doriléia, havendo tomado Edessa (1097) e Antioquia (1098), chegaram finalmente a Jerusalém e dela se apoderaram (1099). Essa sangrenta expedição, que custara a vida a cerca de meio-milhão de homens, terminou com a fundação de quatro centros latinos: o reino de Jerusalém, o principado de Antioquia, os condados de Edessa e de Trípolis, aos quais foram atribuídos governantes latinos. As grandes cidades da costa palestinense foram ocupadas por navegantes e comerciantes ocidentais. Os peregrinos recomeçaram a afluir à Terra Santa. Para protegê-los e defendê-los, foram criadas as Ordens de Cavaleiros Militares (Hospitalários, Templários, etc).
2. Os Templários: histórico
A Ordem dos Cavaleiros Templários foi fundada em 1118 por Hugo Payns ou Payeng, que convocou oito outros cavaleiros para irem a Jerusalém a fim de assistir aos peregrinos da Terra Santa. Chegando lá, os cavaleiros foram alojados numa casa construída sobre as ruínas do palácio real dito "Templo de Salomão'; donde lhes veio o nome de "Templários" ou "Irmãos da Milícia do Templo". O Papa Honório II aprovou a Ordem em 1128 e São Bernardo fez a revisão da Regra baseada nos três votos de pobreza, castidade e obediência (1130). Em março de 1139 o Papa Inocêncio II deu à Ordem sua Constituição definitiva e a isentou da jurisdição episcopal.
A Ordem era dirigida por um Grão-Mestre assistido por seus oficiais: o senechal e o marechal. Abaixo havia os comandantes das numerosas casas templárias, os cavaleiros, os capelães (encarregados do culto divino), os sargentos e os familiares.
Os Cavaleiros revelaram coragem e disciplina extraordinárias no desempenho de sua missão em favor dos peregrinos, conquistando a estima e a admiração de quantos os conheceram. O Grão-Mestre Guilherme de Beaujeu caiu morto heroicamente quando os cruzados perderam São João de Acre. Distinguiram-se na defesa de Gaza (1171) e na tomada de Damieta (1219). Obrigados pelo avanço muçulmano a deixar a Terra Santa em 1291, estabeleceram-se na ilha de Chipre. Suas propriedades estendiam-se pela Europa Ocidental; no começo do século XIII tinham nove mil "comandarias", que lhes davam uma renda de 12 milhões de libras para sustentar sua ação apostólica. Este elevado rendimento granjeou para os Cavaleiros (privados da sua função militar) a fama de financistas e administradores de bens temporais. Em 1303 o rei Filipe IV o Belo da França lhes confiou a guarda do tesouro real; em 1304 celebrou elogiosamente suas obras de piedade e misericórdia. Todavia em 1307 foram traídos por um chefe de comandaria, que levantou graves acusações contra a Ordem: abusos sexuais, práticas idolátricas, culto de Bafomé, vã glória... Em conseqüência, aos 13 de outubro de 1307 todos os templários da França foram presos sob o pretexto de cometerem delitos infames. Em Paris 140 cavaleiros foram submetidos a interrogatórios prolongados e a tortura. Era então Grão-Mestre da Ordem Jacques e Molay, figura nobre e digna: perante a Universidade de Paris confessou comportamento abominável, o que muito surpreendeu a todos, inclusive o Papa Clemente V. Este então mandou fazer dois inquéritos, cujos resultados foram contraditórios.
Aos 22 de novembro de 1309 uma comissão de peritos interrogou DeMolay, que, sob a pressão da tortura, confessou tudo o que queriam extorquir dele a respeito de sua pessoa e da Ordem dos Templários.
Os cavaleiros foram mais corajosos: 54 dentre eles retiraram sua confissão de delitos, mas, apesar de tudo, foram condenados à pena capital aos 12 de maio de 1310.
O Concílio geral de Viena (França) ocupou-se com a problemática em 1311: a maioria dos conciliares queria que os Cavaleiros pudessem defender-se - o que não se realizou; aos 13 de abril de 1312 a Bula Vox Clamantis extinguia a Ordem dos Templários, sendo os seus bens transferidos para a Ordem dos Cavaleiros Hospitalares de São João de Jerusalém. Todavia o Papa Clemente V reservou a si o encargo de ouvir ainda os altos dignitários da Ordem. Entregou a tarefa a uma comissão de peritos, que condenaram DeMolay a prisão perpétua; o Grão-Mestre protestou, declarando serem falsas as acusações contra ele levantadas; retratou tudo quanto havia confessado sob tortura, afirmando textualmente: "Nós não somos culpados dos delitos de que nos acusam sob pena de perdermos a vida. A Ordem é pura e santa; as acusações são absurdas, as confissões de delitos são mentirosas".
Entregue ao Prefeito de Paris, DeMolay foi condenado à morte, que ocorreu aos 18 de março de 1314. Refere-se que, pouco antes de morrer, o Grão-Mestre predisse a morte do Papa nos próximos quarenta dias e a do rei (que contribuiu para o trágico desfecho) no decurso do ano. "Profecias" que realmente se cumpriram.
3. Conclusão
1. Entre as diversas sentenças que julgam os Templários, a mais plausível parece ser a que os tem como vítimas da cobiça alheia. Acumularam um rico patrimônio não por desonestidade, mas por causa da estima de que gozavam. Chegaram a tornar-se administradores de bens temporais, porque perderam em 1291 sua função militar e foram solicitados a fazer negócios financeiros. Se houve cavaleiros de conduta falha, não são eles que caracterizam a Ordem. Esta brilha por seus méritos em favor dos irmãos ameaçados. Os bens dos Templários, que muitos cobiçavam, não passaram às mãos dos adversários da Ordem (nem mesmo às do rei da França), mas foram consignados a outra Ordem militar.
2. As várias sociedades que hoje em dia se dizem "do Templo" não têm vínculo algum com os Templários medievais. São inspiradas por correntes filosóficas estranhas ao Cristianismo. A nota trágica e um tanto misteriosa que caracteriza o fim da existência dos Templários pode ter equivocadamente sugerido a continuação da Ordem nesta ou naquela instituição desde o século XIV.
Dom Estêvão Bettencourt (OSB)
PERGUNTE E RESPONDEREMOS 504 – junho 2004
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