Uma outra prova de grande realismo e equilíbrio foi dada na redação das disposições que disciplinavam a prática da caça e do torneio, atividade que a cavalaria laica considerava como distração favorita.
Diz-se comumente que aos Templários tais atividades eram radicalmente proibidas, mas isso não é correto:
impor a um cavaleiro a renúncia total e definitiva ao que mais havia de precioso e divertido era um contra-senso em relação a sua condição, o que significaria arriscar ter um grande número de violações e, de qualquer maneira, criar maiores dificuldades de adaptação para os noviços.
Os idealizadores da regra, com toda a probabilidade São Bernardo e os padres conciliares, encontraram uma justa medida de comprometimento que limitava muito a possibilidade de exercitar esses "vícios" da aristocracia militar, restringindo-as ao uso em alguns casos julgados lícitos.
A regra proibia explicitamente a prática da falcoaria, dando a esta o status de "diversão mundana", e a condição de decoro, modéstia e seriedade que os Templários deviam ter eram incompatíveis com a atitude ruidosa e violentamente lúdica que acompanhava as batidas de caça:
Condenamos de comum acordo o uso da caça aos
pássaros com outros pássaros: de fato, parecidos a outros
hábitos profanos, são inconvenientes para a condição
monástica. Que os frades escutem bem os ensinamentos
religiosos, participem às orações, e a cada dia confessem a
Deus, com lágrimas nos olhos, os seus pecados. Por esse
motivo, nenhum Templário professo deverá juntar-se com os
laicos que praticam a caça com o falcão ou outros pássaros de
rapina. E dever de todo monge comportar-se com decência e
modéstia, sem dar-se às risadas, falando pouco e somente
para dizer coisas oportunas e com voz moderada. Proibimos a
todo frade de reunir-se nos bosques para caçar com o
estilingue, nem de juntar-se com aqueles que o fazem, a
menos que seja para protegê-los de ataque de qualquer
sarraceno: e em todos os casos, que o Templário não ouse
gritar aos incitamentos ou fazer versos de caça com o cão, nem
encorajar o cavalo à corrida desenfreada para perseguir
qualquer animal.
Mais que proibir a caça, a regra propunha um modelo reduzido de participação nas batidas que impedia ao Templário de abandonar-se às intemperanças na voz e nos gestos típicos dessas ocasiões, profundamente em contraste com o teor da dignidade monástica. A condição obrigatória para que o Templário pudesse acompanhar os laicos durante as batidas, isto é, a vontade de protegê-los de ataques de sarracenos, não devia ser menor em um contexto como o da Terra Santa sempre ameaçada pela agressão dos islâmicos.
Esse inocente pretexto podia ser utilizado sempre, e por qualquer um, sem risco de ser desmentido, e no mais, assegurava aos confrades apaixonados pela caça a possibilidade de realizar, ainda que por debaixo dos panos, as apreciadíssimas batidas.
Os Templários e o Pergaminho de Chinon Encontrado nos Arquivos Secretos do Vaticano
Barbara Frale
Capítulo III: O Código de Honra dos
Templários
3. Equilíbrio harmônico de espírito e corpo